Missionários Combonianos em Moçambique: conservar a memória, ser profecia
Por: MANUEL A. L. FERREIRA, Missionário Comboniano
Os Missionários Combonianos chegaram a Moçambique no ano de 1946. De Nampula, no Norte, estenderam a sua presença à Beira e a Tete, até chegarem, por fim, a Maputo, a capital, no ano de 1982. As Irmãs Missionárias Combonianas chegariam ao país no ano de 1954. Na sua história de presença e acção em Moçambique, contam com o testemunho da Ir. Teresa Pezze, morta também numa emboscada da Renamo na estrada de Nampula a Nacala, no dia 3 de Janeiro de 1985.
Maputo: o Sul
O nosso percurso para visitar esta presença comboniana em Moçambique começa pela cidade de Maputo, onde os Combonianos dão corpo desde 1982 a uma presença missionária na periferia norte da cidade, na zona de Benfica, no Bairro Jorge Dimitrof.
Eram anos conturbados, com milhares de pessoas a fugirem do Norte e Centro do país, para evitarem os horrores da guerrilha. A zona de Benfica, na altura bastante desabitada, acabou por acolher milhares de deslocados. O P.e João Romano, madeirense, morto em 1974, tinha começado uma presença cristã, construindo uma pequena igreja no local. O comboniano P.e João Zani juntou a esta igreja a pequena casa paroquial e a casa das irmãs.
Missão na periferia
Eram anos em que se repensava também o modelo de missão e se procurava dar respostas aos desafios que a missão enfrentava nos meios urbanos, particularmente nas periferias. Ajudar os deslocados a encontrarem condições mínimas de vida era uma questão incontornável naqueles anos. Os Combonianos optaram por se envolver na educação das crianças e dos jovens, ajudando os pais a construírem e gerirem uma escola comunitária.
Aos poucos, fruto do empenho das pessoas da comunidade cristã, das ajudas de fora, nomeadamente da cooperação da Noruega, no bairro de Benfica nasceu a Escola Comunitária S. Francisco Xavier. A escola é da paróquia, gerida com o envolvimento das famílias, tem os professores pagos pelo Governo e compreende um jardim-infantil e pré-primário.
Nas instalações da escola funciona também um curso de alfabetização informal para adultos, sobretudo mulheres. Na escola funcionam igualmente cursos nocturnos para trabalhadores-estudantes, que vão do 8.º ao 12.º ano, para completarem o ciclo secundário.
No bairro vive uma activa comunidade cristã. A pequena igreja, construída pelo P.e Romano, é hoje insuficiente para receber os fiéis que se reúnem para a Eucaristia dominical. Esta é celebrada no salão polivalente da escola, enquanto na pequena igreja se reúnem as crianças da catequese para a sua celebração. Além da Eucaristia dominical, que se realiza no salão, há celebrações dominicais em quatro comunidades que integram a paróquia. Estas celebrações são eucarísticas quando há sacerdotes. Se os não houver, são celebrações da Palavra, presididas e organizadas pelos leigos.
No bairro de Benfica, os leigos são o rosto da Igreja, garantem a proximidade que os dois sacerdotes não conseguem assegurar. Os grupos dos catequistas e da Legião de Maria ajudam os cristãos a viverem a fé no quotidiano. Os grupos da Caritas procuram individuar e dar resposta às situações de carência mais gritantes: fazem campanhas para recolher alimentos e vestidos e socorrer os mais necessitados. Os ministros da Esperança estão atentos às situações de doença e morte, acompanhando as famílias na assistência aos doentes, nos funerais e no luto. Os ministros da Comunhão levam o conforto da Eucaristia aos que estão doentes nas várias comunidades do bairro.
Esta periferia norte da cidade de Maputo tem continuado a expandir-se, mesmo sem grande planeamento urbanístico: as estradas interiores são de terra batida; os talhões para a construção das casas são pequenos; as casas são de materiais pobres. A situação sanitária das populações tem melhorado, mas a malária e a sida continuam a fazer as suas vítimas. Em termos de evangelização e de pastoral, os jovens são o grande desafio que inquieta a equipa missionária.
No vale do Buzi: o Centro
Os Missionários Combonianos chegaram à diocese da Beira no ano de 1967, convidados pelo bispo D. Sebastião Soares de Resende para se dedicarem à formação dos professores, na Escola de Inhamizua. De lá, estenderam a sua presença à paróquia do Alto da Manga, sempre na Beira, e à missão do Buzi, em 1969, de onde assistiam também as missões de Barada, Estaquinha e Ampara. Em 1970, passaram a assistir também as missões de Mangunde e Machanga.
Nós hoje só temos a Missão de Muchungue e a comunidade na cidade da Beira que assiste a nova paróquia de Chiuta nos arredores da cidade.
Atentos ao futuro: TETE
Em Tete, onde os Combonianos têm duas comunidades, uma na cidade de Tete que assiste a Paroquia de periferia de Matundo e a Missão de Chitima que é também ponto de referência para a zona pastoral do sul da diocese.
Nampula e Nacala: o Norte
No nosso itinerário para revisitar os lugares da presença comboniana em Moçambique, chegámos finalmente ao Norte, a Nampula e Nacala. Foi a pensar no Norte e na forte presença muçulmana na região que o então cardeal Gouveia, de Lourenço Marques, chamou os Combonianos para Moçambique. Numa sua viagem a Roma, fez uma paragem em Cartum, a capital do Sudão, e ficou impressionado com o que viu da presença e do trabalho dos Missionários Combonianos no Sudão. Em Roma, pediu à Congregação da Propaganda Fidei a presença dos filhos de Daniel Comboni no Norte de Moçambique.
No final de 1946, o primeiro comboniano, o P.e Zambonardi, entrava no território pela Ilha de Moçambique. Outros se lhe seguiram, a partir de 1947 até hoje, num fluxo contínuo de missionários provenientes de Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, México...
Os lugares que visitámos na costa – a ilha, Mossuril, Cabaceira, Nacaroa – estão ligados à presença e actividades destes pioneiros. Com o tempo, o grupo foi aumentando e estendendo a sua actividade ao interior: Netia, Namahaca, Mueria, Lunga, Mirrote, Monapo no que é hoje a província de Nacala; e Corrane, Namecuma, Mecuburi, Mamola, Iapala, na província de Nampula, são alguns dos nomes ligados à presença comboniana, nomes de localidades e missões desenvolvidas e entregues já ao clero diocesano.
As actuais presenças em Nampula – Ribaué, Lalaua, Meti, Anchilo, Sto António do Monapo e Santa Cruz – e em Nacala – Namapa, Mirrote, Carapira– completam o mapa das presenças combonianas no território.
Renovação
Em Nampula, o bispo Manuel Vieira Pinto, que trouxe para a sua diocese e o resto do país os ventos de renovação do Concílio Vaticano II, confiou aos Combonianos duas instituições fundamentais nesta tarefa de renovação da evangelização e da vida da diocese: o Centro Catequético de Anchilo, fundado em 15 de Agosto de 1969, e a direcção da revista Vida Nova, fundada em 1958, há 54 anos.
O Centro Catequético tinha por missão preparar os catequistas e líderes cristãos leigos. A revista publicava-se como instrumento de acompanhamento destes líderes e de aprofundamento da sua formação humana, cristã, bíblica, pastoral e apostólica. Enquanto os cursos se repetiam ao longo do ano e reuniam os líderes para semanas de formação intensiva, a revista era publicada cada mês, ecoando os temas e a vida da igreja diocesana e universal. Hoje os Combonianos continuam a assegurar estes dois serviços de grande importância na vida das comunidades cristãs na região. O Centro Catequético orienta os seus cursos prevalentemente para a diocese de Nampula, já que entretanto as de outras dioceses do Norte criaram os seus próprios centros. A programação anual do centro prevê uma média de dois cursos por mês. Os cursos são direccionados para os ministros das comunidades: catequistas, anciãos e responsáveis das comunidades, ministros da palavra, leigos comprometidos. Os temas desenvolvidos cobrem as áreas da formação bíblica e pastoral, da catequese, da cultura local e da moral cristã, e das questões relacionadas com o envolvimento cristãos nos processos de transformação social, como a saúde, o ensino, a vida familiar e laboral. No centro realizam-se igualmente retiros e cursos para o clero e os vários grupos de religiosos, religiosas e leigos.
Promover as pessoas
Desde os começos, os Missionários Combonianos uniram a promoção humana e o desenvolvimento à evangelização e edificação das comunidades cristãs. Em 1964, na localidade de Carapira, deram início a uma Escola de Artes e Ofícios, para promover a formação de técnicos e artesãos moçambicanos. O Irmão João Grazian e o Ir. Schiavon foram os primeiros de uma série de irmãos combonianos que deram corpo a esta escola do ensino técnico básico durante anos, até fazerem dela a instituição bem conhecida que ela é hoje em Moçambique. A Frelimo nacionalizou a escola, mas continuou a confiar a direcção e a administração aos Missionários Combonianos. Hoje este centro tornou-se em Instituto Tecnico Industrial, gerido em parceria entre Governo e Missionários Combonianos.
Atentos ao futuro
Em Nacala, jogam-se os desafios sociais mais imediatos de Moçambique. Em Tete, começou-se a exploração maciça do carvão, por obra de uma multinacional brasileira, e projecta-se a exploração de outros minerais e recursos naturais. Em Nacala foi construido um aeroporto internacional e o porto de águas profundas, para o escoamento desse carvão e dos demais recursos naturais, como petróleo e gás natural que se espera explorar na costa moçambicana.
Os missionários estão atentos a este processo de transformação económica e social em curso e alertam para os riscos da corrupção e das injustiças feitas às populações, que só vêem as migalhas dos benefícios que são os recursos naturais do país. Sectores da sociedade civil e da Igreja chamam a atenção para o facto de esses benefícios não se tornarem visíveis no orçamento do Estado moçambicano e de as multinacionais envolvidas na exploração dos recursos não satisfazerem os direitos das populações, retirarem terras ancestrais, pagarem salários inadequados aos trabalhadores.
Momento de esperança
Os Missionários Combonianos a trabalhar actualmente em Moçambique são 37. Os Combonianos estão presentes em cinco províncias: Nampula, com quatro comunidades, duas na cidade e duas no interior; em Nacala, com três comunidades; na Beira, com duas comunidades, uma na cidade e outra no interior; em Tete com duas comunidades, uma na cidade e outra no interior; no Maputo com três presenças, uma na cidade, uma no Bairro de Benfica e uma comunidade formativa na Matola.