Conflitualidade humana na exploração de recursos naturais no Norte de Moçambique
A Província moçambicana de Cabo Delgado está a ser alvo de violência armada, desde o dia 4 de Outubro de 2017, que já causou a morte de dezenas de camponeses e comerciantes inocentes, o incêndio de casas de aldeias inteiras, entre outras barbaridades. Os ataques são perpetrados por desconhecidos, que estão a ser alvo de investigações a nível nacional e internacional. Tudo indica que por de trás destas atrocidades esteja a riqueza daquela região em recursos naturais, minerais e florestais.Neste contexto e para reflectir sobre a situação, realizou-se um seminário sob o tema “Conflitualidade humana na exploração de recursos naturais na província de Cabo Delgado – reflexões e perspectivas”, no passado dia 23 de Agosto, nas instalações da Universidade Católica de Moçambique, na cidade nortenha de Pemba. Este seminário concluiu-se com um documento intitulado “Declaração de Pemba” que a seguir publicamos na íntegra.
DECLARAÇÃO DE PEMBA
As organizações signatárias desta Declaração, nomeadamente, a Comissão Episcopal de Justiça e Paz (CEJP), a União Provincial dos Camponeses (UPC) de Cabo Delgado, o Departamento de Ética, Cidadania e Desenvolvimento da Universidade Católica (UCM), o Observatório do Meio Rural (OMR), o SEKELEKANI, o Centro de Integridade Pública (CIP) e Justiça Ambiental (JA!) reunidas na Sala Magna da UCM-Pemba com outras organizações convidadas, membros do Governo Provincial e diversas individualidades discutiram a “Conflitualidade humana na exploração de recursos naturais na província de Cabo Delgado – reflexões e perspectivas”.
Com base em 12 apresentações agrupadas em três painéis temáticos: (i) violência armada no norte de Cabo Delgado; (ii) exploração de recursos naturais e conflitualidade; e (iii) indústria extractiva e políticas públicas, o seminário fez muitas constatações, de entre as quais se ressaltam as seguintes:
- A situação na região norte de Moçambique, em geral, e na província de Cabo Delgado, em particular, apresenta-se preocupante devido às transformações geradas pela exploração de recursos naturais;
- Tal exploração processa-se de forma caótica, num cenário que começou por ser de ausência do Estado e de oportunismo generalizado. As más práticas da exploração informal e caótica dos recursos naturais foram interrompidas com a afirmação repressiva das forças de defesa e segurança, limitando o acesso de milhares de pessoas a recursos naturais como pedras preciosas, grafite, terras, recursos pesqueiros, mas também madeira e marfim;
- Os processos de reassentamento têm sido caóticos, onde o Estado aparece em aliança com o grande capital, agravando situações de pobreza das populações;
- Fenómenos de pobreza generalizada têm coexistido com o surgimento de elevadas expectativas sociais, entretanto frustradas, geradores de conflitualidade;
- A intensificação do conflito militar com os protagonistas dos ataques armados agrava os níveis de pobreza na província, tornando muitos jovens capturáveis por movimentos violentos, alimentando-se de um ciclo vicioso, que urge reverter.
Em face destas constatações, os participantes do seminário declaram que:
a) As organizações da sociedade civil devem coordenar uma estratégia de pesquisa multidisciplinar, global e integrada envolvendo também organizações que trabalham com advocacia;
b) As organizações da sociedade civil devem exigir mais espaço de diálogo para influenciar decisões de políticas com base em evidências de pesquisas;
c) As organizações da sociedade civil devem promover a cidadania através de acções de formação e debates com grupos diferenciados;
d) O Governo deve eliminar os obstáculos de acesso à informação a jornalistas, investigadores e cidadãos em geral aos locais de conflitos;
e) O Governo deve rever o modelo extractivo da economia, que não é gerador de emprego, é potenciador de exclusão social, de desigualdades e de conflitos;
f) O Governo deve eliminar os benefícios fiscais redundantes, com vista ao aumento da receita fiscal e canalização de receita, de forma transparente, para um investimento social inclusivo nas áreas afectadas;
g) O Governo deve promover o investimento inclusivo, realmente gerador de empregos, investindo em serviços públicos (educação, saúde, energia, água, saneamento, transportes e vias de acessos), promovendo a integração económica do território, assim como oportunidades de criação de rendimentos das populações, em áreas de exploração de recursos naturais;
h) O Governo deve aplicar os regulamentos existentes em relação a reassentamentos, e revisão do papel do Estado na mediação deste processo, lembrando o papel do próprio Estado na representação e defesa dos cidadãos;
i) O Governo deve garantir o acesso das comunidades e famílias ao seu direito constitucional de posse e uso da terra, e a consequente justa compensação em caso de sua atribuição para investimentos públicos ou privados;
j) O Governo deve assegurar que as comunidades abrangidas por projectos de investimento recebam atempadamente informação adequada e detalhada sobre tais projectos, bem como assessoria jurídica para interagir com as partes interessadas;
k) Deve haver maior acção por parte de organizações do Estado nomeadamente, a Comissão Nacional de Direitos Humanos, a Procuradoria Geral da República de Moçambique e os Tribunais;
l) O Governo deve providenciar assistência às pessoas desalojadas pela violência causada pela insurgência, e criar condições que irão permitir-lhes regressarem às suas casas voluntariamente, em segurança e com dignidade;
m) O Governo deve fazer uma revisão da estratégia de actuação militar, capacitando os militares em matérias de direitos humanos e outras formas de relacionamento com os cidadãos, apostando-se em amnistias e em incentivos para reinclusão social.
Pemba, aos 23 de Agosto de 2019